
Citizen Sleeper 2: Starward Vector funciona mecanicamente de maneira muito similar ao seu predecessor de 2022. Isso não chega com nenhuma surpresa aos olhos de quem acompanhou por notícias o desenvolvimento dessa sequência, já que menos de três anos de intervalo entre jogos de uma mesma franquia é atualmente algo raramente presenciado, mesmo no cenário indie.
Era de se esperar, portanto, que pouco mudaria nas bases do funcionamento sistêmico de um jogo que certamente seguiria o modelo já estabelecido em 2022: o de colocar maior ênfase no texto, que mais uma vez é sublime e aborda os temas que se propõe a discutir com uma competência claramente advinda de inúmeras revisões e pesquisa política.
Assim como seu antecessor, Citizen Sleeper 2 tem a intenção inicial muito clara de despir o jogador de quaisquer noções precedentes sobre exploração espacial e decadência expansionista do capitalismo. O jogo até sai do próprio caminho para evitar jamais mencionar o nosso planeta Terra nem seu estado atual naquele universo, causando uma sensação de desconforto e deslocamento maior ainda ao jogador. O único local pelo qual poderíamos nutrir alguma correlação ou identificação é tão desimportante e esquecido que podemos até nos questionar se, nessa linha do tempo futurista, sequer realmente nos originamos lá.
É em meio a esse sentimento de desalento que o jogo insere tudo que o jogador precisa saber para seguir em frente e desbravar o mundo com o grupo de párias que serão reunidos: a humanidade dominou vários sistemas dentro da Via Láctea e essa expansão foi obviamente financiada e organizada por megacorporações, que agora estão em guerra nos sistemas mais externos por controle total das áreas desbravadas e recursos coletados. As relações entre as mais diversas organizações presentes nos ecossistemas planetários e de estações espaciais, como sindicatos, imprensa, fazendas comunitárias e grupos de mercenários, são tão complexas e conduzidas por interesses escusos quanto em nosso mundo atual.
A grande parte dos locais que o jogador visita em sua jornada são acometidos por pobreza, desespero e relações de trabalho que beiram a escravidão. Resquícios da guerra das corporações, como desertores, armamento abandonado clamando por um novo dono e lixo espacial, chegam à deriva ao sistema onde a história do jogo toma lugar e, como os restos de comida jogados a um cachorro de rua, não geram aos habitantes daquela área exatamente o que chamaríamos de uma existência humana digna. É, para resumo geral, o estado mais decadente e final do capitalismo, mas que frustrantemente ainda se apega à própria existência como um parasita que precisa do hospedeiro vivo para continuar a sugar suas energias vitais.

Isso tudo, somado a jornada do protagonista androide em busca de significado para sua existência e liberdade do controle corporativo, tornaria Citizen Sleeper 2 uma presa fácil para uma mensagem niilista, que definitivamente não é algo que precisamos no atual momento de incertezas e conflitos que vivemos. Mas, graças a sagacidade da escrita, o jogo sabe habilmente dosar seu cenário de desesperança e aparente inescapabilidade com o de refúgios seguros na forma de personagens relacionáveis e comunidades autossuficientes livres da moeda vigente na galáxia e carregadas por um senso de empatia de membro para membro. A própria expansão corporativista através do espaço abre brechas para grupos insatisfeitos buscarem novas moradias e modelos de sustento em locais que são totalmente fora de mão para serem vigiados pelos autoproclamados donos do espaço.
Com as pedras devidamente colocadas no tabuleiro e a realidade desoladora exposta visceralmente ao jogador, Citizen Sleeper 2 introduz sua maior novidade em relação ao primeiro jogo, que são as expedições. Com o grupo de personagens principais, a maior parte deles totalmente opcionais e dependentes das suas escolhas para se juntarem à tripulação, trabalhando como freelancers nesse cenário em que qualquer oportunidade de ganhar o mínimo dinheiro pode garantir uma refeição, alguns trabalhos podem ser aceitos nas estações espaciais. Essas missões invariavelmente se passam em recantos menos explorados e mais isolados do sistema e envolvem tarefas variadas como recuperar um drive com informações valiosas, investigar a viabilidade de recuperação de tecnologia militar ou até resgatar algum desaparecido. O sucesso dessas expedições não é mandatório para avançar no jogo, o que significa que falhar em atender os requisitos de completude de uma missão é algo que o jogador deve apenas aceitar e seguir em frente sem coletar o pagamento.
O gerenciamento do progresso nas expedições dá-se de maneira muito semelhante à tradicional exploração dos locais não nocivos: a cada novo dia, resultados aleatórios em dados de seis lados são gerados para o jogador e cabe a ele decidir o que fazer com eles. Em estações espaciais, falhar pode custar pontos de vida devido ao cansaço por trabalho em péssimas condições e em expedições, além dos pontos de vida, há o custo de tempo adicional que será gasto para performar a mesma tarefa no dia seguinte, levando a mais gastos de suprimentos e, consequentemente, o prazo final para retornar à civilização chegando mais rápido.
A adição dessa espécie de missão secundária é essencial para a narrativa que o jogo quer utilizar, que é focar totalmente nos personagens que se relacionam com o protagonista e fazer o jogador entender os mais variados tipos de dramas que podem surgir no futuro angustiante em que vivem.
É através dessas expedições que conhecemos melhor a variedade do elenco principal e que revela-se também como a maior força do jogo. Cada um deles é primorosamente escrito, com a sensibilidade no tocante à temas como transição de gênero, direitos trabalhistas e fins acima dos meios muito acertada e utilizando sutileza não como subterfúgio para evitar controvérsia, mas sim para exemplificar que cada indivíduo tem seu próprio momento de querer encarar aquilo que ele preferiu evitar as vezes pela vida toda até aquele ponto. Nenhum dos inúmeros momentos em que o jogo interrompe seu roleplay para inserir caixas de texto são gratuitos ou dispensáveis. É, no final das contas, um jogo cheio de propósito dentro da sua lógica interna de diálogo entre gameplay de RPG e narrativa emergente.

O objetivo desse texto foi evitar totalmente inserir uma descrição detalhada de um sumário da história de Citizen Sleeper 2. Fazer o contrário disso seria um desserviço a uma narrativa tão bem construída e dependente da agência e interpretação do jogador, então interprete isso como um incentivo para experienciar um jogo que, ao final dessa geração de consoles, será pelo menos por mim lembrado como um dos melhores exemplos de narrativas políticas em videogames.

Análise escrita por @EldenSnake
A cópia do jogo foi cedida pela Jump Over The Age
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