Quando um gênero nasce a partir de uma franquia ou um jogo, o sucesso dos jogos influenciados não depende apenas de replicar os pontos principais de sua fonte de inspiração, mas sim de usar essas ideias para criar sua própria identidade e se destacar como algo próprio. Remnant: From The Ashes foi um dos poucos que conseguiu esse feito. Suas inspirações nos jogos "souls" são claras, mas isso não o faz um clone sem alma; seu gameplay e sistema de progressão foram o suficiente para criar sua identidade e obter sucesso - sucesso esse que resultou em uma sequência.
Remnant II é tudo que se espera de uma sequência para o bem e para o mal: é maior e melhor, refina o que o primeiro acerta, e consegue retrabalhar os pontos mais fracos. O ponto negativo disso é que não vai mudar a cabeça de quem já não gostou do primeiro. Ele é uma sequência para fãs, não arrisca muito e nem muda a fórmula. Se essa é a sequência que você esperava, não tem erro, nisso ele tem muito sucesso. Agora, se as decisões de design do game anterior já não lhe agradaram, dificilmente aqui será diferente, é uma sequência pautada em refinamento e não em inovação.
Não é só Dark Souls com armas
O jogo tem diversas inspirações distintas que conversam muito bem entre si. O que o separa de ser "só mais um soulslike" é seu sistema de progressão. Remnant II é um looter shooter com um esqueleto "souls" e usa de um sistema de leveis procedurais que aumenta bastante a variedade e o fator replay, mas esse sistema procedural não é tão livre a ponto de prejudicar a experiência. Tendo que depender da probabilidade para ter um mapa interessante, ele é restrito o suficiente pra sempre ter um estilo de level design semelhante que se interliga por atalhos, sendo um ponto impressionante do jogo, pois apesar dos leveis não serem excelentes, eles nunca parecem ser feitos de forma aleatória, fica num bom meio termo. É possível terminar a campanha sem perceber esse elemento do game e isso conta como um ponto positivo, uma vez que esses sistemas procedurais não são muito bem vistos por aí.
Essa aleatoriedade nos mapas faz com que cada zeramento seja diferente, com bosses diferentes e acontecimentos da história em ordens diferentes. Esse é um dos maiores pontos positivos do jogo: ele te incentiva a jogar e rejogar várias vezes e o looping de gameplay prazeroso faz isso não ser algo pedante e os níveis de dificuldade que podem ser selecionados a cada novo jogo também auxiliam nisso.
Beleza vazia
Falando sobre mapas, o jogo é separado por mundos, que são acessados por portais. Todos os mundos têm uma temática pós apocalíptica. Visualmente o jogo é mediano, tanto na direção de arte quanto na parte gráfica. Ele consegue trazer variedade onde cada mundo tem uma estética diferente, mas acho que ele para por aí. Apesar dos mundos serem bem distintos entre si, dentro eles são monotemáticos. O que quero dizer com isso é que ao ver a temática visual ao entrar no portal é o que você irá ver até o fim dele, não há uma sensação de um espaço que poderia ser habitado, a imersão se quebra e o que sobra é um mapa de video game. O mundo medieval vai ter a mesma estética do começo ao fim mesmo que o bioma mude e o mesmo vale para o mundo sci-fi. Existem pequenas diferenças visuais até o fim de cada mapa, mas a sensação que fica é que aquele mundo é só aquilo mesmo, uma cor, uma ideia. Isso é um problema? Não tanto, pois eles estão ali pra você andar e atirar, mas também não é um ponto positivo do game, dificilmente irei me lembrar dos mundos desse jogo por muito tempo.
Agora, o que irei me lembrar por muito tempo é o quão divertido de jogar ele é. O momento a momento do combate é a melhor coisa de Remnant II. No jogo temos uma arma primária, uma secundária e uma corpo a corpo, e é necessário transitar entre elas constantemente. No início do jogo temos uma escolha de arquétipo, que serve como uma classe, com suas habilidades específicas e desvantagens, essas classes se complementam muito bem no modo coop, mas no solo também é possível notar suas diferenças. A minha favorita é a classe de adestrador, que é a mais recomendada para jogadores solo pois você tem um cachorro como companheiro que pode te curar e reviver, além de também atacar inimigos de forma aleatória ou podendo receber ordens para atacar inimigos específicos. São vários tipos de arquétipos para escolher e em um determinado momento da campanha é possível ter dois no mesmo personagem, abrindo bastante o leque de possibilidades.
Sua classe não o define
Os arquétipos são apenas um ponto de partida para sua classe, pois a gama de possibilidades é vasta. O jogo lhe dá muitas opções de customização, com efeitos diferentes em suas armas por meio de mods, anéis, armaduras e relíquias. É um jogo que tem muitas possibilidades pra quem gosta de se aprofundar em builds, farmar itens específicos que se encaixem exatamente nas suas necessidades. Apesar disso, jogadores mais casuais não vão ter que se preocupar muito, pois esse aspecto do jogo é mais necessário em dificuldades mais altas, pois na dificuldade padrão ele é bem acessível, jogar escolhendo só o que lhe dá mais pontos de dano e de defesa já é o suficiente para ir até o fim.
Apesar dessa alta gama de possibilidades, me incomodou a falta de incentivo para utilizar outras armas. No jogo, cada arma é única, com valores base de dano e velocidade de disparo e você os melhora subindo o nível das armas com um NPC específico. O problema é que os recursos são escassos. Sempre que você encontra uma nova arma, ela está no nível base e, por mais que a aprimorando talvez a deixe mais poderosa do que sua atual, sempre preferi melhorar ainda mais a que já estava usando a fim de maximizar o dano. Isso criou uma dependência minha em duas armas até o fim do jogo, somente depois comecei a testar outras, pois tinha recursos e moeda o suficiente. Isso não é necessariamente um problema do jogo e sim mais uma opção de design que não se encaixa no meu estilo de jogador, prefiro algo que me incentive a explorar os mapas com a chance de encontrar uma arma diferente que já seja útil naquele momento e me tire da zona de conforto, quando vem o questionamentos como: "Eu fico com essa que já estou acostumado e sei o tempo de disparo e recarga ou troco por essa nova com mais ataque, mas sendo de um tipo que não estou familiarizado?". Esse tipo de dúvida nunca foi presente durante as explorações.
O silêncio é subestimado
No início do texto eu disse que o jogo melhora tudo em relação ao primeiro, mas em um aspecto isso não acontece, que é a história. O jogo segue os acontecimentos do primeiro, mas não vejo a necessidade de jogá-lo pela história, ele tenta dois tipos de narrativa, uma mais pautada em lore e uma mais direta e infelizmente falha nas duas. A narrativa direta é entregue com diálogos medianos vindos de personagens esquecíveis. Não há um senso de apego com nada, todo mundo do HUB carece de personalidade e o trabalho de voz também não é dos melhores. Falando nisso, uma decisão horrível foi dar voz ao personagem principal, suas falas são as mais genéricas possíveis, e tudo bem até aí, mas a escolha de fazer o personagem ter falas durante a exploração e combate é péssima e irritante, são poucas linhas de diálogo e elas se repetem o tempo todo e não tem como desativá-las. Sim, é algo pequeno, mas ouvir no fim de cada encontro coisas como "Essa foi por pouco" ou "Ainda bem que acabou" não só enfraquece a atmosfera como irrita em poucas horas. Em um jogo com um foco tão grande em passar várias horas explorando e rejogando, esses pequenos detalhes incomodam ao se acumular.
O outro aspecto da narrativa é a lore, e isso é algo que pode ser muito interessante para te fazer mergulhar na história do mundo sem que seja entregue de bandeja pra você, mas isso funciona quando você tem interesse na história e no mundo, o que não foi o caso aqui. Em nenhum momento eu tive curiosidade para saber mais, é um aspecto completamente descartável para mim. Posso ter sido duro com esse aspecto do jogo, mas eu genuinamente acho que é a pior coisa dele, algo que eu preferia que nem tivesse. Remnant II é uma experiência que eu estou investido pelo gameplay; a história aqui é apenas algo no caminho para a diversão.
Outro ponto que achei abaixo do que esperava são os bosses, parte bem importante desse gênero. A maioria são fáceis e não empolgam, devido às mecânicas simples, padrões repetitivos e visuais nada impressionantes. Outros são frustrantes por serem batalhas no estilo de "quebra-cabeças" onde é mais chato do que divertido ou intrigante, uma em específico chega a ser frustrante por usar o sistema de pulo do game que não é bom. No geral, há exceções, mas é algo que poderia ter uma atenção maior, esse tipo de encontro deveria ser o ponto alto de um mapa, a cereja do bolo e não uma decepção, é mais divertido lutar contra os inimigos comuns do que contra os chefes, e isso não é algo bom.
Jornada inconsistente
Na parte técnica o jogo tem vários problemas: texturas que não carregam, cutscenes onde tudo fica piscando em branco, inimigos presos no cenário que ainda conseguem te ferir mas não o contrário, partes do cenário onde é fácil ficar preso, além do jogo ter crashado duas vezes comigo. A performance na maior parte é sólida, há quedas mas nada grave. Espero que os patches resolvam esses problemas o quanto antes, pois eles distraem. Se fosse só essa parte visual dava pra relevar mais, porém, coisas que afetam seu gameplay já são algo mais complicado: um jogo tão focado em seu combate não deveria ter momentos onde você é penalizado e pode até morrer por causa de bugs.
Veredito:
Apesar de grande parte dessa análise não ter sido positiva, o fato de no fim eu ainda ter gostado tanto da experiência prova o quão sólida são as fundações do jogo e o quão engajante são seus sistemas de progressão e combate, que fazem você querer continuar jogando por horas e horas, mesmo com todos os problemas. Você quer descobrir todos os mapas, ter mais motivos para atirar em inimigos e evoluir seu personagem. Esse certamente não é um jogo que irá ganhar prêmios ou servir como uma espécie de aula para outros títulos, mas o que importa é que nesse momento eu vou finalizar esse texto e retornar logo pra ele.
Análise realizada por Gustavo (@Ceythian) A cópia do jogo foi gentilmente cedida pela Gearbox Publishing
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