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Clair Obscur: Expedition 33 - Análise


Há momentos em nossas vidas onde consumir obras de determinada mídia que amamos passa a se tornar um hábito, e com esse hábito cria-se uma desconexão com o fato de pessoas terem trabalhado naquilo.


Obras são a desconstrução do tempo de pessoas inseridas na arte, tempo que depois se reconstrói novamente e que nós como consumidores gastamos enriquecendo nossas vidas. Mas quando o produto que nos é entregue parece uma casca vazia, e nós passamos a consumir de forma desenfreada, desperdiçando nosso tempo e desmerecendo os artistas que se importam com sua obra, é um problema.


Você consome e parte para outro sem nem digerir direito o que consumiu. Mas há momentos que algumas obras aparecem para quebrar esse ciclo, e te fazem acordar, e voltar a se importar novamente, a pensar nas pessoas por trás daquilo, e simplesmente aproveitar e ficar grato por ter uma experiência tão especial e ficar mais otimista com o futuro da indústria, e Clair Obscur: Expedition 33 é definitivamente uma dessas obras.

Contexto é importante, Clair Obscur é impressionante por muitos motivos, mas a história por trás do seu desenvolvimento consegue elevar tudo. Feito por um time pequeno de veteranos da indústria, esse jogo consegue desafiar nossa noção do que esperamos de jogos de grande orçamento. Pouco mais de 30 pessoas foram responsáveis por um projeto que times com centenas de pessoas não conseguem sonhar em fazer, onde as influências de seus jogos favoritos são claras, mas em nenhum momento criam algo derivativo ou sem alma, o mais impressionante é esse time conseguir criar um jogo que simula perfeitamente o sentimento de um JRPG mesmo sem ser criado no Japão, e trazendo um leque de inspirações ocidentais que fazem da experiência algo familiar, mas ao mesmo tempo fresca, e em momentos onde a indústria infla cada vez mais, com orçamentos astronômicos, e novas IPs criativas de grande escopo parecem cada vez mais difíceis, esse time existir acende uma chama de esperança, e mostra que em muitos casos um grupo pequeno de desenvolvedores colaborando em todas as etapas, e todos sendo guiados por uma forte visão criativa, criam algo mais impressionante do que vários estúdios juntos, que muitas vezes fazem uma colcha de retalhos que, ao juntar, criam algo que o lado “produto” fala bem mais alto do que a arte.


RPG Japonês feito na França?


Clair Obscur é um RPG que tem como foco combate, exploração e obviamente, sua história. Ele é claramente influenciado pelos clássicos RPGs japoneses, no seu game design, combate e estrutura geral narrativa. Enquanto RPGs ocidentais colocam o foco em suas escolhas, na sua fantasia como jogador desbravando aquele mundo, e fazendo escolhas que moldam sua história, JRPGs colocam o foco em seguir uma história já determinada, acompanhando um grupo de personagens, e dando liberdade em como montar suas estratégias durante o combate, e como evoluir os personagens, mas sem muita agência em todo o resto. Essa distinção é importante aqui, pois Clair Obscur segue à risca o segundo exemplo, sendo um jogo com uma história linear e com mapas estreitos que te guiam para os objetivos, e na história você é apenas um telespectador.

No jogo acompanhamos a Expedição 33, que parte da ilha de Lumière para tentar matar um ser que chamam de Artífice, essa que todo ano pinta um número em ordem decrescente em um gigantesco monólito, e todas as pessoas com aquela idade morrem em um fenômeno chamado Gommage. Isso acontece nos últimos 67 anos e ninguém sabe o motivo. Todo ano uma expedição parte em busca de respostas e tentam parar isso antes que seja tarde demais, mas nenhuma teve sucesso. A base da história é pautada em mistérios, e isso cria um problema, pois quando a premissa e os mistérios são tão intrigantes, as respostas têm que ser tão ou mais interessantes ainda, ou então se cria uma situação onde é fácil se decepcionar ou ter saudades de quando o mistério era o que te fazia querer continuar. 


Felizmente, na maior parte, a história consegue sim entregar respostas satisfatórias, e encerra a jornada muito bem, apesar de deixar algumas coisas a desejar quando o assunto é tentar criar um universo coeso e complexo e não deixar pontas soltas. Há momentos extremamente poderosos na história, que surpreendem e te deixam impressionado com a coragem e como tudo é construído, desde os momentos mais bombásticos até os mais íntimos, é possível perceber que há um carinho especial dado a todos eles, mesmo que existam deslizes.

Já os personagens é um assunto delicado, sendo a alma dos jogos desse gênero, eles têm um papel muito importante em te fazer criar uma conexão com a história, e sustentar a jornada toda, e nesse ponto o jogo tropeça um pouco na minha opinião. Os protagonistas são excelentes, e são os personagens mais bem trabalhados, com arcos definidos, que se desenvolvem conforme a trama avança, já o os secundários variam bastante, e isso é um problema por serem poucos. Isso ajuda a criar uma sensação na reta final que parece faltar um membro da party, como se era suposto a ter, mas os desenvolvedores tiveram que cortar, e quando esse sentimento perdura, ter um ou dois personagens que você não consegue se importar não ajuda. 


Mas o saldo ainda é muito positivo. O jogo tem personagens ótimos, os antagonistas também são muito bem trabalhados e conseguem te fazer entender seus motivos de uma maneira que não pareça forçada, mas como a barra de todo o resto é tão alta, nesse ponto ele acaba ficando um pouco mais abaixo do que eu gostaria. E é um assunto delicado pois esse tipo de apego vai de pessoa a pessoa. É difícil definir qualidade quando se fala de emoções e apego, e nesse caso a história e personagens falharam em criar essa conexão forte comigo, mas tenho certeza que vai ser diferente com muitas pessoas, e vai acabar marcando a vida de muitos.


Tinta e sangue 


Agora a estrela do jogo: o sistema de combate. É uma mescla perfeita entre o sistema de turnos mais dinâmico que encontramos em Persona junto a um foco grande em reatividade por parte do jogador, em momentos virando quase um jogo de ritmo. No seu turno o jogo funciona como se espera, você pode dar um ataque básico, usar uma habilidade, que gasta pontos de PA que você ganha de várias formas, mas principalmente acertar inimigos com seu ataque básico, ao usar habilidades pressionando os botões no momento certo aumenta seu poder, bem semelhante ao clássico Mario RPG. Também podemos usar itens, e temos uma mecânica de disparos semelhante a Persona 5, mas aqui você pode mirar livremente, e isso cria mais uma camada ao combate, acertar pontos fracos dos inimigos ou em armas que eles carregam para explodir. Mais pra frente liberamos uma habilidade especial que usa uma barra separada. 


Agora diferente de outros jogos, no turno do inimigo você continua completamente ativo, é possível evitar quase todos os ataques, existe uma mecânica de refletir ataques, e ao acertar todos em uma sequência, o personagem dá um dano massivo de contra-ataque, também é possível esquivar, existe um ataque que só é possível desviar pulando, e outro que você usa um ataque no momento certo quando o inimigo usar um ataque esmaecido, semelhante ao mikiri de Sekiro. Tudo isso cria um dos sistemas de combate mais fluidos, viciantes e ativos do gênero. Aqui em muitos momentos, mesmo estando bem mais fraco que o inimigo, se você tiver mestrado o tempo dos seus ataques, você consegue vencer e isso cria uma liberdade em explorar lugares que você não deveria estar, e tentar enfrentar criaturas mais difíceis.


A exploração é muito recompensadora e o jogo sabe muito bem dosar seu conteúdo para não sobrecarregar o jogador, ao avançar na história você ganha um jeito de navegar pelos mares e depois voar, seguindo a estrutura clássica de Final Fantasy. Isso ajuda a deixar o ritmo prazeroso e sempre ter algo novo, o conteúdo secundário se resume às side quests ocasionais, que geralmente são pedidos simples para alguns seres do mundo, e há também mini games, mas infelizmente é aqui onde vemos a limitação do orçamento, são mini games que usam as mecânicas básicas do jogo para criar desafios de plataforma ou escalada que simplesmente não encaixam bem, e nunca são divertidos de se fazer, felizmente são poucos. O foco mesmo do conteúdo secundário é no combate, enfrentando desafios cada vez mais complicados e pedindo um entendimento completo de suas mecânicas.

Em alguns momentos o tamanho do mundo cria situações onde algumas áreas batem a sensação de que era para ter algo, mas se resumem a um item, isso piora pois há vários lugares que parecem acessíveis mas não são, isso deixa a atividade de procurar cada canto dos mapas frustrante, mas tem muito para elogiar aqui. A variedade de cenários é incrível, cada um com sua atmosfera predominante e beleza ímpar. Parar e apreciar vira uma obrigação durante toda a jornada, isso é amplificado pela trilha sonora sublime. 


Teatro dos Sonhos 


Clair Obscur acerta em muitas coisas, mas a trilha sonora é um espetáculo à parte, variada, emocionante quando precisa e épica nas lutas contra os chefes. Há uma qualidade teatral e dramática nas músicas, com várias focadas nos sentimentos de personagens específicos e ajudam em dar o tom da cena, seja ela triste ou esperançosa. Além de transitar por vários gêneros diferentes, indo do eletrônico ao metal sinfônico em algumas faixas. Essa é uma trilha que certamente será lembrada por muito tempo, e ficará na mente de muitas pessoas.


Conclusão 


No fim, Clair Obscur: Expedition 33 é um feito impressionante que mescla elementos de vários clássicos para criar uma jornada única e inesquecível, com um sistema de combate espetacular que em nenhum momento fica cansativo, ou deixa de ser empolgante, e tudo isso é incrementado por uma trilha sonora especial e uma atmosfera única, e mesmo que não seja perfeito, causa um impacto tão grande que dificilmente será esquecido. Mas o que mais me impressiona aqui, é como o amor dos desenvolvedores transborda pela tela, em todos os momentos do jogo é possível ver a mão de alguém e o empenho em tentar criar algo especial, e nos mostra que não há limite monetário para arte desde que exista uma visão e pessoas apaixonadas.





Análise escrita por Gustavo (@Ceythian)


A cópia do jogo foi cedida pela Kepler Interactive O jogo foi desenvolvido pela Sandfall Interactive

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