Artis Impact - Análise
- Gustavo (@Ceythian)
- há 5 dias
- 6 min de leitura

Tentar falar sobre arte de forma crítica nem sempre é tão fácil, principalmente quando algo se encaixa perfeitamente em gostos específicos que dificilmente são traduzidos com palavras. Nosso gosto é moldado por experiências distintas durante a vida e isso faz parte da nossa individualidade - esperar que algo tenha o mesmo impacto para pessoas diferentes é um equívoco. Isso é importante nessa análise, pois sei que muito do que faz Artis Impact ser tão especial para mim é moldado a partir de sentimentos que são evocados pela sua arte e atmosfera geral. É um desafio colocar em palavras essa aura etérea que algumas obras transmitem, mas tentarei isso nesta análise.

Artis Impact é um jogo independente de RPG com foco na solidão e conforto e foi criado por apenas uma pessoa. No jogo controlamos Akane, uma mulher que faz parte de um grupo que luta contra formas de vida artificiais chamadas de IAs, mas nem todas são maléficas. Somos acompanhados o jogo todo por Bot, uma IA de auxílio que, além de lutar ao seu lado, sempre tenta aconselhar e proteger Akane acima de tudo.
No começo do jogo, parece mesmo desconexo e informações são reveladas de forma esporádica. Sabemos que estamos em uma espécie de futuro pós apocalíptico onde a humanidade vive em pequenas cidades que constantemente são ameaçadas por essas criaturas robóticas. Desde o início as inspirações em Nier Automata são claras, mas logo o jogo consegue cravar sua própria identidade e com poucas horas eu já estava completamente envolto nesse mundo.
Conexão entre vida e arte
Falando de forma mais pessoal, em muitos casos eu vejo games como uma troca: você investe seu tempo, mas isso vai depender do quão cativante é o que recebe em troca. Em muitos casos o jogo te pede um investimento imediato sem criar nenhum tipo de motivação para o jogador continuar e se importar com o que está acontecendo.
Em muitos casos, sigo pelo caminho principal pois o jogo não fez o suficiente para me mostrar o porquê eu deveria me aprofundar, e isso pode ocorrer de muitas formas, seja pela construção do mundo, seja pela arte, história, personagens etc. Esse jogo se tornou algo a mais para mim quando eu percebi que não estava só avançando pelos objetivos e sim parando para aproveitar cada detalhe desse mundo, interagindo com cada objeto e conversando com cada personagem. Ali eu já me importava.
Depois desse ponto eu parei e fiquei divagando sobre os motivos de eu estar tão envolto nessa jornada, uma resposta clara não apareceu. Mas algo se sobressaiu mais do as outras: arte.

O visual de um jogo em muitos casos pode ser um dos seus elementos mais fortes, e ser tão impactante que se torna a força motriz por trás da experiência e os sentimentos que a obra consegue te passar. Esse é um desses casos, a arte de Artis Impact é uma das mais lindas que já vi em um jogo. As artes trazem um minimalismo melancólico, usando o branco como um espaço sem fim, e o preto como o preenchimento caótico, mas ao mesmo tempo delicado daquele vazio. Criam painéis tão expressivos cheios de solidão envolto de ternura que jogos com horas de cenas não conseguem emular.
Essas artes monocromáticas entram em dissonância com a pixel arte vibrante em cores que transbordam pelos cenários e criam cenas dramáticas quando usadas nas telas de combate engolidas por uma uma tela preta. Os recortes da ação tornam-se cinemáticos pelo uso de cores direcionadas e enquanto a ausência delas aumenta essa tensão, impulsionado pelo trabalho elegante e preciso de animação da protagonista, e a sombra das criaturas à sua frente.

Todos esses elementos visuais são auxiliados por uma trilha sonora que a princípio não chama tanta atenção, mas com tempo começa a encontrar seu espaço e se tornar vital para a experiência. Seu foco é acompanhar os acontecimentos somando ao momento e não o roubando, até que em algumas ocasiões uma música começa e você simplesmente fica sem reação e naquele momento ela tem toda a sua atenção, sessões únicas que fazem com que sejam especiais. Novamente o jogo sabendo dosar bem seus elementos como se fosse uma disputa entre o preto eo branco na forma de música, a paz interrompida por agressividades momentâneas.
Conforto até no perigo
Artis Impact ainda é um jogo, então mesmo que acerte em tudo que citei previamente ainda tem um ponto em aberto: como funcionam seus sistemas e estrutura. É bem simples. O jogo é um RPG focado não em desafios, batalhas épicas, builds ou uma longa jornada. É um jogo feito para ser reconfortante e prazeroso. Ele usa muitos elementos de RPG como maquiagem para essa ideia. O combate é mais um passatempo visualmente instigante do que mecanicamente complexo e na verdade é oposto, é simples, direto e fácil quase como jogar um JRPG clássico usando algum auxílio de vida infinita ou dano máximo.

E isso não é uma crítica, a ideia é essa, é criar essa experiência relaxante. Acho muito prazeroso como isso é feito, quase como uma forma de te dizer para aproveitar o momento e seguir a jornada sem apreensão. Todos os elementos do jogo tentam emular esse sentimento de um jogo “cozy” principalmente pela infinidade de interações com os NPCs e objetos pelas cidades, diferentes tipos de comidas, máquinas, vendedores, e uma das coisas mais importantes que é ter uma cama para dormir.
Há uma atenção aos detalhes surpreendente, e eventos que só acontecem após várias ações que muitas vezes não são óbvias, mesmo após passar 30 horas em um jogo que era suposto a ser curto eu sinto que perdi interações e segredos. Você pode gastar muito tempo fazendo algum trabalho de limpeza em uma loja, entrar em uma dungeon, ficar farmando itens para melhorar sua arma, habilidades ou usar o dinheiro para comprar equipamentos melhores, tudo isso é opcional, mas me senti motivado a fazer, pois novamente era prazeroso e eu queria ver tudo que o jogo tinha a me oferecer.
A alma do gameplay está nessas interações, está em ver a relação entre Akane e o Bot evoluir, ver cada conversa e as reações da protagonista que consegue derreter qualquer coração, há uma ingenuidade e alegria nela que é muito cativante de acompanhar, seu coração é muito mole e em muitos casos personagens tentam tirar vantagem disso, enquanto o bot a repreende por não se impor. O jogo tem uma grande dose de humor, que me pegou de surpresa, e mais ainda por ser realmente engraçado e bem escrito. A história em si não é grande coisa, mas o jeito que ela é contada através das artes, dos pequenos diálogos no mundo, e interações insignificantes que ficam com você se acumulam no todo, e faz com que cada momento seja precioso e te faz não querer deixar aquele mundo.

Não é um jogo longo ou complexo e mesmo assim eu gastei mais tempo nele do que a maioria irá, simplesmente pois viver ali me trouxe conforto, entrar nos combates e ver as animações e visuais me trazia alegria e mesmo com suas limitações é uma experiência tão única que irei guardar para sempre. Akane é uma personagem incrível, e muitos dos residentes deste mundo são interessantes o suficiente para que eu me lembre deles.
Como uma nevasca, você chorou lágrimas silenciosas
No fim Artis Impact é uma experiência única, feita por uma pessoa com tanta paixão e talento que é impossível não se sentir impactado e até inspirado. Poucos jogos emanam sentimentos e sensações como a desse jogo para mim, é quase como ouvir uma música que te leva para um estado mental que te remete a algo que te traz conforto, mesmo que você não consiga expor em palavras, essa sensação dúbia de melancolia, e solidão mas não de um jeito negativo, esse jogo é o equivalente de ouvir uma banda de post black metal atmosférico para mim como por exemplo o álbum The Mantle da banda Agalloch. Os dois me levam a uma paisagem fria, chuvosa em alguma floresta na Europa setentrional.
E com isso volto ao início do texto onde eu falo que cada obra fala diferente com cada um, e essa aflora esse sentimento que me traz paz e conforto, onde a minha mente encontrou uma forma de expressá-la como imagens na minha cabeça, sou levado a essa paisagem atmosférica onde me sinto bem. Mas com cada um é diferente e me pergunto como esse jogo irá afetar cada um que tiver o prazer de jogar, pois tenho certeza que será único.

Análise escrita pelo Gustavo (@Ceythian)
A cópia foi cedida pelo Mas, criador do jogo
Artis Impact está disponível para PC, via Steam
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