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Foto do escritorGustavo (@Ceythian)

God of War Ragnarök - Análise sem spoilers

O crepúsculo dos Deuses Nórdicos é também a história mais humana do Fantasma de Esparta e encerra com maestria uma jornada inesquecível.

É impossível falar de God of War Ragnarök sem ser um pouco pessoal. God of War é a minha franquia favorita e o primeiro jogo, lá em 2005, foi o responsável por me fazer gostar de videogames. Portanto, ter a oportunidade de falar do mais novo título da série já é algo surreal pra mim, principalmente após anos de expectativa. Em 2016, quando o novo começo da saga foi anunciado, eu não esperava presenciar esse momento e muito menos o que aquele jogo iria causar na indústria. Quatro anos depois de reinventar Kratos, temos a conclusão dessa história.


Fazer uma sequência de God of War (2018) é um grande desafio. Poucos jogos têm uma tarefa tão monumental: conseguir se equiparar a um jogo tão marcante, e não só isso, mas evoluir o que o primeiro acertou, ajustar o que não deu muito certo e encerrar aquela história de uma forma satisfatória. Olhando por esse lado, havia muita coisa contra Ragnarök, mas ele quase que milagrosamente não só consegue fazer jus ao nome que carrega como consegue superar em todos os aspectos seu antecessor em uma jornada brilhantemente construída, onde nada parece faltar ou sobrar. É uma experiência que, assim como o primeiro, marcará uma geração e a vida de muitas pessoas.

A chegada do Fimbulwinter


Desenvolvido pela Sony Santa Monica, God of War Ragnarök começa três anos após o final de seu antecessor. Atreus está maior e mais experiente e, junto de Kratos, passou esses últimos anos no inverno que assola Midgard após a morte de Baldur, treinando para o que está por vir. Diferentemente do primeiro, Ragnarök já começa acelerado e com senso maior de urgência. Ele se beneficia de não precisar apresentar o mundo e os personagens, assim deixando a história mais dinâmica. Nos minutos iniciais já temos uma cena intensa de ação que nos dá uma ideia do que nos aguarda. E apesar desse começo ser mais acelerado, ele não deixa de ter momentos mais calmos e emocionantes entre os personagens e é nesses momentos que somos lembrados da qualidade altíssima das animações e atuações que o estúdio consegue proporcionar.


Logo depois somos apresentados ao combate, que à primeira vista não parece ser tão diferente, mas assim que começamos a pegar o ritmo deixa claro que está mais rápido, responsivo e dinâmico. Outra coisa que fizeram questão de deixar explícito já nas horas iniciais é o quão mais variado estão os encontros contra inimigos, já que o primeiro sofria de falta na variedade de mobs e bosses. Aqui eles não só corrigiram, mas foram além com muitas novas raças com designs distintos e comportamentos que diferem entre si, toda essa sessão inicial culmina em uma das boss fights mais impressionantes de todos os tempos, que segue a tradição da saga de ter uma luta incrível logo no início, finalizando assim a introdução do game.


Toda essa sequência inicial é um espetáculo em direção, história e gameplay. São raros os jogos com esse nível de qualidade já na sua hora inicial. Toda a expectativa pelo jogo já é justificada aqui e o medo da decepção some, deixando somente espaço para apreciar o que vem pela frente, pois é apenas o começo de uma jornada sem igual.

Depois da introdução mais linear o jogo finalmente se abre e vamos para o primeiro reino distinto, o qual podemos explorar mais livremente, fazer missões secundárias ou continuar a história. Com o tempo, mais mecânicas são apresentadas tanto para ajudar na travessia quanto no combate, que nunca falham em diversificar o gameplay, e podemos perceber também o quão maior e mais detalhados estão os cenários.


O jogo não sofre em nenhum momento de falta de direção ou objetivos injustificáveis. Tudo se encaixa no contexto da história e em nenhum momento a jornada fica cansativa ou monótona. Ela não dura mais do que deveria, acaba quando tem que acabar e isso é de se respeitar em uma época em que quantidade é mais visada do que qualidade. Onde jogos tem conteúdo somente por ter e acabam ficando cansativos. Tudo nesse jogo tem qualidade e propósito em primeiro lugar.


Algo a se destacar é o quanto esse jogo conversa com o anterior. Ele não é uma sequência qualquer, mas a “Parte II” daquela história e a conclusão da jornada que teve início anos atrás. Em outras palavras, não existe Ragnarök sem God of War (2018) e eles juntos são apenas uma experiência que se liga do início ao fim. Há saltos técnicos e melhorias notáveis de um jogo para o outro, mas fica clara a intenção de ser uma experiência só, algo semelhante à trilogia de O Senhor dos Anéis, por exemplo. Anos à frente, quando olharmos para trás, não vamos pensar no primeiro jogo ou no Ragnarök isoladamente, mas sim na saga Nórdica de Kratos e Atreus.


Jornada e Redenção


A história é um dos aspectos mais esperados nessa sequência e na sua totalidade é excelente e incrivelmente bem contata, com atuações fantásticas que elevam a narrativa. Ela inclusive supera todas as expectativas e te deixa clamando para saber o que acontece a seguir. Enquanto o primeiro jogo tinha uma história simples e focava mais na relação entre pai e filho, em Ragnarök a história é bem maior, mais ousada e com foco nos diversos personagens se preparando para a grande batalha que é o Ragnarök, mas em nenhum momento ela perde o aspecto mais intimista. A relação entre Kratos e Atreus ainda é muito poderosa. Enquanto Atreus tenta buscar respostas sobre seu futuro, seu nome e tentar saber mais sobre a profecia, Kratos tenta dissuadi-lo, com medo de perdê-lo. Esse confronto entre os personagens é ótimo e rende momentos incrivelmente tocantes sobre paternidade e confiança.

Atreus cresceu muito nesses três anos, se tornou mais confiante, capaz e esperto. Isso faz dele um personagem bem melhor e mais interessante de se acompanhar, mas apesar dele ter um grande foco, a estrela da história ainda é o Kratos. Seu arco narrativo aqui é sensacional. No primeiro jogo o objetivo dos escritores era pegar aquele monstro dos jogos antigos e fazer dele alguém que consiga se importar com seu filho. Mais do que isso, era fazer o público comprar essa mudança e vê-lo sob outra luz, mas sem descaracterizá-lo. Eles tiveram muito sucesso nisso e muitos que nunca se importaram com o personagem começaram a criar um vínculo, mesmo que pequeno. Em God of War Ragnarök eles têm muito mais liberdade para desenvolvê-lo e fazê-lo mudar ainda mais. Aqui ele se abre bem mais, é mais compreensivo e tenta sempre melhorar para o bem de seu filho, o que antes era somente um mascote da PlayStation, agora se torna um dos melhores personagens da marca. É impossível como fã não se emocionar com tudo que o personagem passou e onde ele se encontra aqui. É um arco de redenção que poucas vezes vimos com essa intensidade na indústria.


Não são apenas os protagonistas que têm desenvolvimento, já que todos os personagens têm um papel maior na trama e são mais explorados com arcos narrativos mais definidos. É difícil lembrar de um jogo do gênero com tantos personagens interessantes que você sempre sente a necessidade de saber mais, e isso também se aplica aos vilões. Thor é um dos pontos altos do jogo. Sua caracterização aqui é bem mais alinhada com a dos contos nórdicos. Ryan Hurst dá vida ao personagem em uma performance memorável, e o resto do elenco não fica para trás. Christopher Judge como Kratos e Danielle Bisutti como Freya brilham muito em seus papéis, trazendo interpretações poderosas para seus personagens, que estão ainda mais complexos nesse jogo. E mesmo com toda a gravidade das situações, o jogo consegue transitar muito bem entre momentos tensos e mais leves que muitas vezes são genuinamente engraçados e servem para aliviar a tensão e desenvolver os personagens. É um jogo tão bem escrito no micro e macro que te faz reavaliar a qualidade desse aspecto na mídia como um todo.

Sinfonia da Destruição


God of War Ragnarök é maior e melhor e isso se aplica principalmente ao combate. Aqui, desde as horas iniciais, temos muito mais ferramentas do que no primeiro jogo. A combinação das blades e do machado Leviathan dá mais liberdade para o jogador se expressar no combate e mais liberdade para os desenvolvedores usarem essas armas como ferramentas. As lutas são bem mais verticais. Usando das blades você consegue subir em terrenos elevados de uma forma bem mais rápida e dinâmica. Agora é possível também dar um ataque aéreo pulando das beiradas criando uma explosão no chão independente da arma que você empunha. Uma nova adição ao combate é a habilidade de imbuir a arma com seu elemento segurando o botão triângulo. Isso as deixa bem mais fortes, mas demanda um tempo que pode abrir brecha para os inimigos. Outra adição são os diferentes escudos. Cada um tem uma vantagem e desvantagem, um sendo focado em aparar ataques de inimigos e outro especializado em defesa, cada escudo pode ser melhorado e equipado com um acessório que dá uma vantagem distinta. A fúria espartana também tem mais variedade aqui, podendo escolher qual te agrada mais. O padrão do primeiro jogo focado em causar dano ou uma que ao usar você recupera parte da vida. Tudo no combate foi pensado para dar mais opção, mas sempre sendo substancial e útil.


Atreus aqui é um personagem bem mais capaz. Suas habilidades de auxílio estão ainda mais fortes com magias de invocação e novos tipos de flechas mágicas. O cenário aqui serve também como uma ferramenta no combate, já que você pode usar pedaços de pedras para arremessar nos inimigos, usar um tronco de árvore como arma para dar um ataque em área ou usar Atreus para atirar em alguma coisa para destruir e atrapalhar os inimigos. São muitas opções que deixam o combate sempre interessante e variado, e isso permanece durante todo o game. Ele nunca fica cansativo ou repetitivo, já que sempre consegue adicionar novas ferramentas e desafios para te manter engajado no combate. A jornada é cheia de surpresas no gameplay e falar delas aqui seria estragar a experiência de quem estiver lendo.

Ainda falando do combate, o maior problema do primeiro jogo era sua galeria limitada de inimigos, principalmente os mini bosses. Todos se lembram dos infames trolls que apareciam a todo momento e deixavam o ritmo cansativo. Felizmente em Ragnarök o que não falta é variedade. Cada reino tem suas criaturas com movesets diferentes entre si e visualmente mais distintos também. Todos os inimigos do primeiro estão de volta e somados ao dobro dessa quantidade em novos inimigos. Isso cria uma diversidade fantástica nos encontros e também se aplica aos mini bosses que estão muito variados e legais de se enfrentar, com alguns sendo somente encontrados no conteúdo secundário do game.


O primeiro jogo teve bosses ótimos, mas foram poucos, o que deixava aquele gostinho de quero mais, na sequência isso também não é um problema. Existem muitas lutas fantásticas, desde deuses poderosos até criaturas gigantescas, e não tem como falar sobre boss fight e não falar do Thor. Certamente a melhor luta de toda a franquia, que atendeu todas as expectativas, que eram muito altas devido à popularidade do personagem e o quanto foi falado dele no primeiro jogo. A luta é brutal, épica e com momentos que vão arrepiar muita gente.

Através da ponte do arco-íris


Há nove reinos exploráveis em Ragnarök e cada um tem uma atmosfera distinta e uma fauna rica que complementa muito a imersão, desde as florestas ricas de Vanaheim cheia de criaturas fantásticas que preenchem a paisagem, até as aves de Svartalfheim com seus terrenos mais úmidos e águas cristalinas, e os reinos que voltam do primeiro estão totalmente diferentes graças aos efeitos do fimbulwinter. Midgard, por exemplo, está passando por um inverno sem pausa por três anos. O lago dos nove está totalmente congelado e graças a isso dessa vez o exploramos com um trenó guiado pelas lobas Speki e Svanna. Isso é somente um exemplo das adições e maneiras que o jogo faz para a exploração ficar mais variada e interessante. Os quebra-cabeças estão ainda mais criativos aqui, alguns demandando o uso tanto das blades quanto do machado e sempre dão uma boa variedade de atividades para fazer tanto na história quanto no conteúdo opcional.


E falando do conteúdo opcional, é altamente recomendado fazer tudo no game, não só pelas recompensas que são sempre úteis como ataques runicos, artefatos que contam mais da história daquele mundo, itens para melhorar as armas e aumentar sua vida e barra de fúria, etc, mas pelas missões secundárias em si, que estão ótimas e variadas, algumas tendo qualidade de conteúdo principal, com vários bosses únicos que testarão suas habilidades e até mesmo tarefas que afetam o reino que você está. Vários dos cenários parecem ser construídos com tanta atenção e cuidado que fazem toda a experiência ficar ainda mais gratificante. Enfim, o jogo todo é um primor em level design e as partes secundárias não devem em nada para as partes principais.


Algo que poderia ser melhor ou talvez diferente é a gestão de recursos. Os elementos de RPG são bem integrados e fazem um trabalho decente em te fazer se importar com sua build, mas às vezes a sensação que dá é que há recursos demais em cada mapa e no final parece que sempre fica sobrando. Diminuir a quantidade de baús com esses recursos iria deixar a experiência mais prazerosa. Não é algo que atrapalha mas certamente algo que poderia ser melhor dosado. O mesmo se aplica aos menus que podem ser confusos e poluídos demais, cheios de números e status que, sendo sincero, te deixam mais cansado e com preguiça do que empolgado para aprender sobre.

O esplendor da guerra


À primeira vista pode não parecer que houve um salto gráfico muito grande comparado ao primeiro, mas quando você começa a prestar mais atenção percebe o quão mais bonito o jogo está. Os modelos dos personagens e principalmente as expressões faciais tiveram um salto enorme, dando mais nuance às atuações. Os cenários estão mais detalhados com texturas mais críveis e mais grandiosos e ousados no geral, com mais objetos em tela e variedade na arquitetura e densidade na vida animal. Algo que faz uma grande diferença é a melhora na iluminação, que dá um aspecto bem mais realista ao mundo, principalmente em cenários mais escuros.


Falando dos aspectos técnicos, no PS5 o jogo tem três modos: o gráfico, que prioriza a resolução e o jogo fica travado a 30FPS; o meu preferido, que prioriza o desempenho, deixando o jogo a 60FPS; e um modo exclusivo para TVs que suportam 120hz, fazendo o jogo chegar a até 120FPS. É transformador poder jogar esse jogo a 60fps, não perdendo quase nada em qualidade gráfica e tendo uma performance excelente. Não notei nenhuma queda durante toda a minha experiência, o que deixa claro que Ragnarök é um jogo extremamente polido. Ah, e também não tive nenhum bug grande com exceção de que às vezes um personagem pode se teleportar para completar uma ação ao seu comando, fora isso foi uma experiência livre de problemas.


Algo que não posso deixar de comentar também é o quão vastas são as opções de acessibilidade. Ragnarök continua o trabalho exemplar que a Playstation Studios vem fazendo nesse departamento, podendo alterar e personalizar quase tudo para seu agrado e necessidades. É um jogo que preenche cada aspecto que se espera de uma experiência desse calibre no momento atual da indústria.


A trilha sonora também não deixa nem um pouco a desejar. Ela é mais grandiosa quando precisa, mas ainda convém aquele ar místico e emocional em momentos mais contemplativos. Os temas do primeiro jogo que voltam aqui têm novos arranjos que conseguem estabelecer sua própria identidade e falar sobre o estado dos personagens usando apenas melodias e harmonias, e as novas faixas se encaixam perfeitamente nos novos reinos e personagens, ajudando-os a ter mais personalidade e ter seu próprio espaço no universo do game.

VEREDITO


God of War Ragnarök não é um jogo melhor que seu antecessor apenas por ser maior e mais complexo. É um jogo melhor porque entende perfeitamente o que precisava ser melhorado e eleva tudo que já era ótimo a outro patamar, encerrando com perfeição tudo que foi construído no primeiro jogo através de uma jornada sem igual e que poucas vezes teremos a oportunidade de presenciar com esse mesmo nível de cuidado e paixão nesta mídia. É um jogo que respeita e homenageia o legado da franquia como um todo e consegue proporcionar momentos incríveis de ação e logo em seguida te destruir com cenas emocionantes graças ao roteiro eximiamente bem escrito, além das atuações fantásticas. Tudo na relação entre os personagens - seus arcos narrativos, suas decisões e receios - faz sentido na história. História essa que te surpreende a cada instante e corresponde a uma jornada cheia de surpresas. E quando você finalmente chega aos créditos, vem um sentimento de vazio por ter terminado essa jornada, mas, ao mesmo tempo, de satisfação e felicidade pela Santa Monica Studio ter criado algo tão especial que ficará marcado na memória de muitos. Pode parecer hiperbólico mas, por tudo que foi entregue aqui, é justo afirmar que God of War Ragnarök seja um dos melhores jogos de todos os tempos.







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