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Date Everything - Análise

12 de junho, o dia dos namorados no Brasil. Hoje é um daqueles dias especiais do ano, uma data comemorativa para dividir com quem a gente ama e agradecer por estar junto. Mas também pode ser um dia triste pra quem está sozinho na vida, seja há muito ou pouco tempo, por escolha ou falta de opção. Felizmente, Date Everything resolveu agradar os comprometidos, os encalhados e até aqueles que nem pagando alguém vai querer, permitindo criar até 100 relacionamentos únicos com tudo que uma casa simples tem a oferecer. 

Hora de trabalhar duro no amor


O jogo começa preenchendo um formulário para trabalhar na Valdivian, a empresa que rapidinho vai te substituir por uma IA, o que infelizmente já é uma dinâmica atual e tende a piorar. Mas tem uma parte boa, é claro, você não precisa mais trabalhar! E nem entrou pra estatística de desemprego, então todo mundo saiu ganhando alguma coisa no fim das contas. 

Jogar preenchendo um portfólio em Date Everything foi uma forma inteligente e direta do jogo definir o seu nome, os pronomes de tratamento e, ao mesmo tempo, justificar você estar em casa - já que seu trabalho era remoto - e todo o tempo livre disponível com a chegada da IA.


Após todo o papo corporativo, chega uma mensagem privada suspeita no thiscord, a rede social de comunicação no jogo, falando para receber um pacote na porta. O aviso dos seus pais para não aceitar nada de estranhos não foi suficiente, então você pega a encomenda e é simplesmente o par de óculos Dateviators, ou melhor, a Skylar! Nos próximos dois dias ela vai estar no modo tutorial e vai te explicar de forma simples as principais mecânicas de relacionamento no jogo. Daí em diante você está livre para tentar ganhar o coração - ou ódio - de todo mundo, desde a sua privada até o conceito de vazio existencial.

Uma grande história sobre 100 histórias e mais um pouquinho


Como já mencionado na introdução, Date Everything conta com 100 personagens únicos para o jogador conhecer e aprofundar os seus laços. Eles variam entre objetos e mobília da casa - que são a vasta maioria - conceitos, como o sentimento de vazio, e elementos físico-químicos, como a escuridão. 


Todos apresentam histórias e personalidades distintas e icônicas em termos de visuais e narrativa, as quais felizmente não se restringem apenas aos seus arcos isolados, como também se complementam com participações especiais e que fazem todo sentido, afinal, todos convivem dentro da mesma casa. É mais que natural, por exemplo, o Cam - a personificação da lata de lixo - e o Art - a personificação da arte - se envolverem numa conversa com a Lady Memoria - a personificação do acúmulo de lembranças - sobre decidir expor, guardar ou jogar  fora coisas antigas acumuladas.


Além das 100 histórias que podem acabar em amor, pizza ou tragédia, há a campanha do jogo que é, basicamente, a explicação para a origem dos Dateviators e porque ele está com você. Honestamente, do início ao fim do jogo, eu esperava que fosse ser mais uma desculpa para justificar os eventos, o que é bem comum e plausível. Afinal, o motivo principal para você querer jogar um dating sim é justamente os relacionamentos, então é natural assumir que eles são a prioridade. Porém, tendo visto todo o enredo, desde a sua efetivação por um dia útil até o momento de sair pela porta da frente e pôr um fim nessa aventura, não acho que seja simplesmente só uma desculpa. Há um claro esforço por parte do jogo de dar valor narrativo para a empresa e tornar os Dateviators algo além de “é o que faz você poder namorar a parede” e isso merece ser valorizado. Não é revolucionário, nem inovador, nem se destaca em relação às cem estrelas do jogo base. Entretanto, é interessante e adiciona camadas de sentido para as suas ações nesse mundo e conduz de forma satisfatória a aventura do início até o fim.


Em paralelo ao enredo e às histórias marcantes, o posicionamento estratégico de personagens é um fator chave que contribui ativamente para a imersão da narrativa. Por exemplo, a empresa e seu dono, David, estão sempre longe, a interação com eles será quase totalmente passiva e esporádica. Um laço assim não tem como se aprofundar, por isso que nem existe um relacionamento entre vocês. Já os objetos na sua casa estão todos perto e tem um contato direto com você. Um exemplo oposto é o espelho, aqui chamado de Amir, você sempre se vê nele e, por isso, tende a ter contato com a sua personalidade e desenvolver um afeto se for do seu interesse. Ser próximo, interagir com você e se deixar interagir fomenta o interesse e, consequentemente, estimula a criação de um vínculo.


Todos esses detalhes e sutilezas na escrita fortalecem muito a história em Date Everything. Ele não esconde nada de você, mas também não é pedante para te falar tudo que precisa saber. O jogo é autoconsciente de que a leitura é parte fundamental da sua experiência e, por isso, ele valoriza quem sabe ler tanto o que está nas caixas de diálogo quanto o que foi dito pelo cenário e pelo contexto. É como diz o ditado clássico, para bom entendedor, meia palavra basta.

Desenvolvendo a sua persona


Uma coisa que é fundamental para um relacionamento é ter uma personalidade própria. As pessoas normalmente atribuem esse aspecto a “ser você mesmo”, mas essa simplificação ignora o fato de que ser você implica, necessariamente, em ter se desenvolvido como pessoa. Ninguém nasce sabendo e, por isso, seus status sociais começam no 0. O que é ter Empatia? Charme? Inteligência? Esses três, junto do Carisma e da Elegância compõem o conjunto de 5 estatísticas que se desenvolvem ao completar um relacionamento, independente do final que aconteça.


Inclusive, a Skylar me pediu para passar uma dica, veja como o tópico da narrativa se reflete nas estatísticas sociais: os relacionamentos que se aprofundam geram aprendizado e impactam o protagonista, possibilitando a ele interagir de formas diferentes e ser mais especial com os novos laços que virá a formar. Assim como na vida, as suas primeiras amizades e pessoas que conhece são quem vão te ensinar o básico e, lá na frente, as suas emoções desenvolvidas possibilitarão conexões especiais que antes não eram acessíveis porque você precisa aprender mais sobre como é interagir.


Todavia, na prática, esses status não são tão úteis assim. Eles estão longe de serem inúteis, até porque você literalmente precisa de pelo menos um maximizado para zerar o jogo, além de ter evoluído uma boa parcela dos demais, porque eles são necessários para você “realizar” um objeto, isto é, conseguir usar os Dateviators para tornar um objeto em uma pessoa de verdade. As implicações éticas disso você discute com o jogo, não comigo, eu só sei que a minha amada Hero-Hime agora é humana!


O aspecto que pode ser problemático, ao meu ver, é que na prática tem poucas “limitações reais” causadas por essa mecânica. Diferente dos jogos modernos da Atlus, onde os status sociais são fundamentais para acessar elementos centrais da gameplay, a natureza da grande maioria das interações que usam os status sociais em Date é opcional e, por causa disso, evoluir em uma ordem bem planejada acaba sendo um fator opcional também.


É importante ressaltar que ser dessa forma não é algo ruim ou negativo, apenas reflete a filosofia criativa que o jogo quis abordar, porém isso demanda que quem esteja acostumado com sistemas baseados em outra lógica tenham mente aberta para se adaptar a proposta deste, que é sólida e coerente.

O melhor ficou para poucos 

 

Infelizmente, esse é o aspecto mais triste do jogo para quem é brasileiro. Date Everything não conta com legendas em português, o que significa que uma grande parcela da população sequer terá acesso ao conteúdo do jogo. É claro que o mundo está cada vez mais conectado e a faixa de renda mais elevada do público de videogames são fatores que contribuem para uma concentração maior de jogadores com conhecimento de inglês para desfrutar de jogos incríveis como este, mas também é fato que o Brasil fala em sua maioria o português e as legendas vão fazer muita falta por aqui, principalmente para quem mais precisa, as pessoas mais simples, quem menos teve oportunidade e que, assim como quem teve, tem o direito de desfrutar um bom jogo se assim quiser.


Passada a má notícia, o bom é que tudo em inglês está FANTÁSTICO. Piadas, nomes de personagens, referências, tudo está tão bem escrito que eu que adoro fazer piadinhas aqui e ali fiquei morrendo de inveja do talento e da criatividade da Sassy Chap Games. O texto também é acessível e uma boa porta de entrada para quem está aprendendo inglês e quer pôr o aprendizado das aulas à fogo. Só espero que não tente fazer isso com o Freddy, porque aí vai entrar numa fria.


Tudo também foi dublado com bastante carinho e atenção. O elenco é diverso e recheado de vozes que dão vida aos objetos inanimados e um narrador muito bom. É até difícil de elogiar, pois são muitas qualidades. São mais de 100 vozes diferentes entre si, todos os diálogos, até os mais simples, estão dublados e bem sonorizados, a trilha sonora nunca atrapalha e sempre contribui com a dublagem na cena. É de cair os óculos, mas mesmo sem as minhas lentes, sei que ainda conseguiria enxergar o trabalho excelente que foi feito com cada uma das linhas de diálogo de Date Everything.

Problemas do dia-a-dia


Sobre os sistemas de jogo, como o ciclo de dias, as dicas para encontrar personagens e as interações em si, tudo funcionou bem, mas houveram algumas complicações. Reitero que é possível que o meu conhecimento de inglês tenha sido a causa para esses problemas, já que é minha segunda língua e eu estou num limbo entre inglês intermediário e avançado, mas algumas dicas não foram muito claras sobre o que deveria ser feito para prosseguir com a história de alguns personagens e como encontrá-los, ao meu ver. Além disso, a falta de clareza poderia vir a ser frustrante quando implicava em ter que passar o dia o mais rápido possível para tentar mais uma vez no dia seguinte. São pequenos desgastes que, ao meu ver, são expressivos dentro do loop de gameplay do jogo, principalmente para jogadores mais ansiosos ou que joguem em sessões curtas e espaçadas, criando um cenário propício para se perder informações importantes.


No que diz respeito ao sistema de coletáveis, ao meu ver, ele funciona bem como um extra, mas acho que apenas jogadores complecionistas de fato que vão se importar de quebrar a cabeça para ver todos. Pela conversa com a Skylar, é possível ver que o próprio jogo já esperava esse comportamento, pois ele entende como um sistema de extras opcionais e até exige no mínimo três jogadas para conseguir todos, então você que só quer curtir a campanha definitivamente não precisa de importar com isso, apenas curta as paqueras pelos cômodos.


Falando na jogabilidade, os controles funcionam bem e - no PlayStation 5, que foi a versão disponibilizada para esta análise - não tive qualquer problema dessa natureza. A movimentação é responsiva e coerente, os botões funcionam como deveriam, é o arroz com feijão no ponto. Não é marcante, mas não frustra ninguém também.

Namoro para todos


Eu não costumo dedicar espaços grandes para a questão de acessibilidade nas minhas análises atualmente, não porque eu ache um aspecto pouco relevante, pelo contrário, penso que é crucial para a inclusão nos jogos e no mundo moderno, mas é difícil eu ter uma contribuição expressiva e relevante para fazer no assunto. É importante lembrar que o silêncio sempre é uma contribuição melhor do que uma boa intenção sem fundamento e com informações incorretas. Porém, neste caso, felizmente tenho como contribuir.


Date Everything sabe que ele é um simulador de relacionamento focado em um público jovem, o que inclui adolescentes e adultos em toda a sua diversidade. Todavia, alguns dos 100 personagens abordam temas bastante sensíveis como relacionamentos tóxicos, violência contra à mulher, imagens perturbadoras, narcisismo exagerado, etc. Com objetivo de possibilitar a todos acessar o conteúdo do jogo, a Skylar oferece a possibilidade de pular o relacionamento e ir direto para a sua conclusão. Se por um lado isso é ruim, pois nem todo mundo vai ter acesso aos 100 relacionamentos completos por limitações de acesso, ao menos foi garantido o direito de ter a completude do jogo realizada, o que é uma forma razoável de garantir que todos se sintam confortáveis com a experiência.

Vai dar match?


Date Everything me surpreendeu muito positivamente. Eu esperava um simulador de namoro interessante, com bons diálogos e uma história simples, mas a entrega foi isso e com uma qualidade de produção de alto nível. Os personagens me surpreenderam bastante e me fizeram ver que até na simplicidade de uma casa a imaginação humana pode criar um mundo inteiro vivo, dinâmico e emocionante.


O volume massivo de diálogos e o escopo do jogo justificam a ausência de outros idiomas além do inglês, por mais que as legendas em português sejam um aspecto fundamental para que o jogo faça sucesso por aqui no Brasil, com a experiência que eu tive, entendo porque não foi feita uma tradução simples e sem localizar. Simplesmente seria incompatível com a qualidade da experiência proporcionada pelo material original. Na prática, o jogo continuaria existindo apenas para os que conhecem o idioma inglês e a versão simplificada dos outros idiomas não seria digna tanto com quem estivesse jogando quanto com a equipe que criou esse jogo incrível. É um alívio ver um jogo com tanta humanidade e personalidade em uma realidade onde a discussão sobre os limites das IAs está sendo feita e os defensores de geradores genéricos ousam se denominar “criativos” e “artistas”. Uma IA jamais será capaz de criar algo tão legal e especial como Date Everything.


Recomendo Date Everything para todo mundo que gosta de ler bastante, quer rir de diálogos engraçados, divertidos e, principalmente, tem interesse em personagens carismáticos, criativos e originais.




Análise escrita pela @Athena_Wofel


A cópia do jogo foi enviada pela Team17

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