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Persona 3 Reload - Análise



Persona 3 Reload é um jogo complicado de se analisar, pois há muito a se levar em consideração quando se tenta chegar a uma conclusão sobre sua qualidade e importância. Um remake pode ser visto de algumas formas: como algo totalmente novo - sem nenhum tipo de comparação ao produto original - ou levando em conta todo o passado e versões anteriores. Nesse caso, é fundamental ressaltar a relevância desse remake dentro da série, pois existem vários títulos que carregam o nome “Persona 3” e há diversas peculiaridades dentro desses jogos. Entretanto, Reload não vem para ser uma substituição deles, mas sim uma versão definitiva e atual do que conhecemos como "Persona 3".


Persona é uma franquia singular em que a rotina diária de um adolescente japonês transferido de um local distante se mescla com os perigos de forças sobrenaturais que assombram a cidade durante a noite. Essa é uma premissa básica e rudimentar sobre a saga, e aqui não é diferente. A história gira em torno da Hora Sombria, um momento que ocorre entre meia-noite e uma hora da manhã. Ela só pode ser vista e sentida por aqueles com habilidades especiais, as quais são apelidadas de “Personas”. Por causa disso, o protagonista acaba se envolvendo com o grupo S.E.E.S - residente de um dormitório em Tatsumi Port Island - que luta para acabar com as sombras e a Hora Sombria e, assim, a trama se desenvolve. Essa mescla inusitada de temas é muito bem trabalhada no gameplay e na história, já que a estrutura do jogo é baseada no dia a dia do protagonista. Portanto, você irá viver cada dia tomando decisões de como gastar seu tempo, seja conhecendo pessoas, seja se divertindo em várias atividades diferentes ou explorando e batalhando na dungeon principal do jogo.


Remake? Não, Reload!


A necessidade de um remake de Persona 3 existe pois há três versões prévias do game que foram lançadas para o PS2 e PSP. Para o console de mesa, temos o Persona 3 original e o Persona 3 FES. A versão FES é uma versão atualizada do Persona 3 original - também de PlayStation 2 - que adicionou conteúdo extra, resultando em um jogo mais completo. Já o Persona 3 Portable foi uma adaptação para o console portátil da PlayStation e, por isso, mudanças tiveram que ser feitas como não poder controlar seu personagem fora das dungeons, virando uma espécie de jogo “point and click”. Apesar das simplificações limitarem a versão portátil, houve adições positivas, como a opção de controlar seus personagens durante o combate - que antes eram controlados pela IA do jogo - e, não só isso, também fizeram uma nova rota para o jogo com uma protagonista feminina, melhorando um aspecto que muitos reclamavam do original: a falta de vínculos sociais com os membros masculinos do grupo.


Com todas essas versões, sempre ficou uma sensação de não existir uma única definitiva do jogo. Cada uma tem seus prós e contras, e a única disponível nos consoles atuais é o Portable, então um remake era necessário. Mas o que muitos não esperavam é que ele não iria ser um remake do FES e muito menos do Portable, e sim da versão original lá de 2006, o que foi o suficiente para deixar muitos fãs preocupados. Porém, no fim, ele acaba incorporando várias das adições que vieram depois, além de atualizar o Persona 3 original para os tempos atuais, usando como base os avanços que Persona 4 e 5 trouxeram à franquia, mas sem perder o que fez do original uma experiência tão marcante.



Levando em consideração tudo isso, como remake, Reload é um triunfo dentro do que se propõe, que não é reinventar nada, e sim atualizar e incrementar. Ele consegue encontrar um ótimo balanço para agradar os puristas e ainda satisfazer quem buscava melhorias. Como estou nesse segundo grupo, posso falar que as adições e mudanças causaram um impacto maior na minha experiência do que eu esperava, mas ainda não tem todas as alterações e incrementos que eu gostaria de ver. Para mim, Persona 3 era um jogo falho em múltiplos aspectos e, apesar desse remake consertar e aliviar alguns deles, muitos ainda estão aqui, principalmente quando se trata dos personagens secundários.


O Tempo é seu aliado


Persona 3 Reload é um jogo lento (é o que se espera de um JRPG desse estilo e dessa magnitude), o que pode ser um empecilho para muitos, porque tudo no jogo leva seu devido tempo. As coisas acontecem de forma lenta e demandam paciência, mas eu diria que esse é um dos charmes da franquia, e é um dos motivos que a fazem especial. É um jogo para se apreciar, jogar com calma, sem pressa, tendo em mente que você pode beirar 100 horas aqui. E mesmo com esse ritmo lento, o jogo consegue te prender como um ímã, te consumir por semanas graças ao jeito que ele consegue transitar entre aspectos opostos, mantendo uma sensação de renovação após cada sessão jogada. Isso é uma das coisas que mais aprecio em Persona.



O jogo é dividido em dois grandes blocos de conteúdo. Existe a parte social, onde você vive como um estudante normal, indo à escola, criando laços com amigos e gente da cidade, etc. Os laços são muito importantes para a outra parte do jogo - o combate - porque quando você passa tempo com um amigo seu, o vínculo social pode subir, dando benefícios como mais experiência na hora de fundir personas da mesma categoria do vínculo social. Aqui, é possível subir os vínculos até o ranking 10. O prêmio para este feito é a possibilidade de fundir uma persona muito poderosa. Mas subir os vínculos não é uma tarefa tão fácil, pois cada ação consome tempo.


Escolher sair com algum amigo para comer em um restaurante depois da aula faz pular o relógio para a parte da noite e, após escolher o que fazer nesse espaço de tempo, o dia muda e começa tudo de novo. Você cria uma rotina e várias coisas vão acontecendo: o mundo a sua volta vai mudando, surgem lojas onde você pode trabalhar de segunda a quarta, aparecem personagens específicos que só ficam disponíveis para interação em algum dia da semana, e durante os meses novas coisas vão aparecendo. Toda essa parte do jogo é o que faz Persona se destacar de outros jogos e é o que dá personalidade, já que não fica devendo em nada frente às partes de ação que compõem a outra metade da experiência.


Andarilhos noturnos


A outra parte do jogo são as batalhas, que em sua maioria se passam no Tartarus, uma torre labiríntica e lar das sombras, onde a vista do topo se perde nos céus. Tartarus é uma dungeon com muitos andares e é onde eu sinto que houve maior esforço do time para deixar a experiência diferente do original. Eles mantiveram a estrutura do primeiro jogo, então ela ainda é criada de forma procedural, mas cada seção agora tem um visual e layout distintos que deixam a jornada até o topo menos repetitiva. Também adicionaram novidades para aumentar a variedade do gameplay, como objetos destrutíveis pelos corredores com itens dentro, portas que levam a salas com uma recompensa após derrotar um inimigo mais forte, e um novo tipo de moeda de troca que são as lascas do crepúsculo, as quais são encontradas pela cidade ou dentro do próprio Tartarus e servem para abrir baús especiais ou restaurar os pontos de vida e pontos de stamina usando sete delas.


Tudo isso contribui para deixar a exploração bem mais dinâmica e divertida, além do trabalho visual ser impecável, então eu sempre ficava ansioso para ver a nova sessão quando estava se aproximando. Tudo que citei até agora é sobre a exploração dessa dungeon, mas o principal nela é o combate. Aqui, inimigos andam livremente pelos andares, e ao entrar em contato com eles, a luta começa. Você pode começar usando sua espada para atacar sem ser visto e conseguir uma vantagem na batalha, mas o contrário acontece se você for surpreendido pelos inimigos, então é recomendado sempre atacar primeiro.



O sistema de batalha segue o padrão da franquia, mas adicionando elementos dos jogos mais recentes que deixam tudo mais dinâmico e visualmente interessante. Durante o combate você pode selecionar várias ações, algumas delas em troca de stamina e vida e a estratégia principal é encontrar o elemento que o inimigo tem fraqueza. No jogo existem ataques físicos e mágicos: os mágicos gastam sua barra de PE (Pontos de stamina) e os físicos sua barra de PV (Pontos de Vida).


No início da batalha você não sabe quais as resistências e fraquezas do inimigo então vira um jogo de adivinhação, mas em vários casos o design do inimigo te dá dicas de sua fraqueza, ou mesmo seus ataques, pois na maioria das vezes a fraqueza é o elemento oposto das habilidades utilizadas pelas sombras. A cada fraqueza atingida você ganha uma ação extra, podendo continuar atacando ou mudar para outro personagem sem perder o turno.


Quando todos os inimigos estiverem no chão você pode usar um ataque especial chamado de “ataque total” que causa um dano massivo. Além disso, você pode usar itens, defender, fugir da batalha, e usar uma habilidade para descobrir informações dos inimigos em troca de PE. O ritmo do combate é muito rápido e dinâmico, é estrategicamente gratificante e visualmente estimulante e o sistema de combate é tão bom que mesmo após 90 horas de jogo eu ainda não enjoei.


Não existe sombra sem luz


A história de Persona na superfície não é algo que se destaca por sua exímia escrita, já que o texto é bem expositivo e não é sempre o mais polido e provocador, mas as histórias sempre são boas, simples mas boas, o que abre espaço para parte mais interessante brilhar, que são os temas e analogias. É aí que fica a parte profunda. O jogo tem uma facilidade em tocar em temas pesados usando de uma narrativa simples mas deixando espaço para as discussões mais interessantes ficam subentendidas, pois tudo ali tem um significado e quando você começa a prestar mais atenção nos nomes dos personas, suas histórias, perceber a psique de cada personagem de uma forma mais detalhada, aquela história simples começa a ganhar mais camadas, e aqueles personagens que antes pareciam estereótipos começam a ganhar mais cores e mostrar que tem mais ali do que aparentava.


Existe muito de filosofia e psicologia no jogo, principalmente a psicologia junguiana e seus estudos sobre as sombras e personas, mas também existem influências de várias religiões diferentes, desde o cristianismo até o hinduísmo, além de história e mitologia serem muito presentes também. Cor também é algo muito importante. Persona 3 tem vários temas centrais, como morte, perda, sacrifício e depressão, por isso a cor azul é tão presente, já que geralmente é uma cor associada a tristeza e depressão. O jogo também tem uma fixação pelo mar, onde o personagem aparece flutuando na água pelos menus do game (menus esses que já viraram uma marca registrada na série de serem alguns dos mais lindos e estilosos que existem). Fica claro que tudo ali tem um propósito, e não é estilo acima de substância.



Shin Megami Tensei, a franquia Pai de Persona, é conhecido por levar as discussões filosóficas mais a sério. Já Persona tenta mesclar isso com um lado mais leve e de relações interpessoais, pois o coração de Persona sempre está em seus personagens e as ligações que você, como jogador, faz com eles são tão importantes quanto as que o protagonista faz. Então a qualidade dos personagens é muito importante, pois grande parte da experiência depende dele, e Persona 3 consegue entregar isso, mesmo com vários tropeços. 


Nos personagens principais é onde esse aspecto brilha, apesar de ainda haver problemas, já que não são todos os personagens que conseguem se destacar. Existe uma disparidade, apesar de subjetiva, que alguns personagens parecem ter mais atenção que outros. E no fim seu nível de conexão com cada um deles pode variar. Mas tenho que dizer que de tudo que o Reload fez para atualizar e melhorar a experiência original, aumentar meu apreço por eles foi seu maior feito.


No Persona 3 Portable eu achava vários personagens mal desenvolvidos e desinteressantes, até mesmo da party, e o jogo tentava vender uma união e amizade que eu não sentia. No Reload isso mudou, existem bem mais oportunidades para se relacionar com os personagens, mais momentos deles interagindo entre si, e isso é fato principalmente com os personagens masculinos da party. No original e na rota do personagem masculino do Portable você passa pouquíssimo tempo com eles, porque eles não têm vínculo social com seu personagem. Já no Reload, apesar de não terem colocado vínculos sociais com eles, há um novo tipo de interação, tendo vários momentos que você pode sair com eles e descobrir mais sobre suas vidas e personalidades. Então é basicamente um elo social sem se chamar elo social.



E a diferença que isso fez foi gritante, mudando muito minha visão sobre alguns deles, e deixando a party como um todo muito mais interessante. O novo cast de atores na dublagem em inglês também eleva isso, todo mundo fazendo um trabalho fenomenal, e uma ótima adição nesse remake é que diferença dos outros títulos, até mesmo o 5: todos os diálogos nessas interações com seus companheiros tem atuação, isso inclui também todos rankings dos vínculos sociais, o que antes era reservado apenas a alguns momentos.


Reimaginação x remake


O que não mudou muito, infelizmente, é a qualidade dos elos sociais secundários. Todos estão melhores aqui graças às adições que eu mencionei acima, e os que eu já gostava só cresceram no meu conceito, mas os que eu não gostava ainda permanecem ruins. Vários vínculos sociais são rasos, desinteressantes e com personagens irritantes ou bobos. Isso é algo que os jogos futuros evoluíram muito e o fato P3R ser um remake e não uma reimaginação pesa mais: podiam ter retrabalhado vários dos elos secundários, dando mais nuance, expandindo e deixando mais equiparáveis aos elos que claramente receberam mais atenção e dedicação. Uma pena terem escolhido só atualizar sem mudar muito.


Música é algo intrínseco a Persona e isso não é diferente aqui. Reload traz versões regravadas das músicas clássicas, algo para o qual muitos fãs torceram o nariz e eu particularmente discordo. Prefiro as novas versões. A nova vocalista consegue trazer uma calma e conforto na voz que não são presentes no original, e isso casa bem com toda a identidade visual do jogo, que puxa mais pro fato da imersão na água ser uma espécie de alegoria para a depressão. Além disso, há novas composições que só incrementam o que já era ótimo. As músicas novas conseguem até superar algumas das clássicas e até mesmo na música com essa abordagem mais diferente mostra o tanto que esse remake não tenta ser uma substituição. O original sempre estará lá, assim como as músicas, por isso a importância do relançamento do Portable para as plataformas atuais, que ocorreu em 2023, é ótimo para preservação da arte.



Persona 3 Reload é visualmente lindo. Os modelos de personagens, efeitos de iluminação, tudo é bem polido e você vê que a tecnologia é utilizada para atingir esse visual estilizado característico da série. A apresentação das cutscenes mescla animação 2D em momentos chave e também cutscenes 3D muito bem animadas. É o jogo mais bonito e impressionante da série nesses departamentos e tudo isso sem perder o que faz ele se destacar.


Pela primeira vez um jogo da linha principal de Persona recebeu legendas para o nosso idioma, e apesar de alguns problemas de localização e erros de tradução, o resultado ficou ótimo. É muito bom ver esse passo sendo tomado. Espero que isso sirva para apresentar a franquia a muitas pessoas.



Conclusão


Persona 3 Reload consegue encontrar um balanço perfeito entre o novo e antigo. Com isso, ele traz todos os pontos positivos do original, mas como consequência também tem alguns dos negativos. Felizmente, ele consegue realçar o que já era bom e suavizar os problemas mesmo sem nunca apagá-los. Dentro de sua estrutura de gameplay há poucos jogos tão prazerosos e dinâmicos. Sua mescla de estilos distintos - esse looping entre a parte social e o combate - te prende a ponto de virar um vício. É um jogo que sabe o que quer ser e todas as escolhas de design trabalham em conjunto para atingir esse objetivo. Sua história consegue tratar de temas complexos com leveza, deixando muito espaço para adentrar em discussões mais profundas graças a sua abordagem implícita dos mesmos. Tudo isso trabalha em uníssono para fazer dele um jogo especial que certamente irá marcar muitas pessoas assim como me marcou.



Análise escrita por Gustavo (@Ceythian)

A cópia digital foi cedida pela Atlus


Persona 3 Reload está disponível para PC, PS4, PS5, Xbox One e Xbox Series



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